Textos

Desapego

Isso é meu. Eu sou. Eu tenho. Eu faço. Eu sei. Eu quero. A Umbanda é, sem sombra de dúvidas, a melhor das religiões. Por isso a escolhi. Ou ela, ou eles, me escolheu, me escolheram. Sou Umbandista. A Umbanda permite uma série de atitudes que visam - lá na frente - nosso desenvolvimento, nosso aprimoramento. Caminhar em direção da luz. Podemos errar, pois seremos perdoados. Podemos falhar, pois nos será dada outra chance. Podemos errar com nós mesmos, com quem amamos, com quem não conhecemos. Podemos desejar, sem saber bem o por quê. Ego e vaidade.Uma das grandes lições da Umbanda é trabalharmos por meio do amor. Porque através dele estão os sentimentos e atitudes de paz, harmonia, caridade, fé. Fé na gente mesmo. Fé na religião. Fé no que professamos quando estamos vestidos de branco como soldados do amor. Por nós, pelos outros, pelos espíritos. Um dia perguntei ao Pai Fernando o que era humildade. Ele respondeu com aquele sorriso doce: "é não julgar o próximo". Esta foi uma das grandes lições. E por mais que julgamos o próximo a todo momento o que vale mesmo é o exercício. Sempre escrevo isso. Exercício. Tentar a todo custo e a todo momento não julgar. Tentar a todo custo e a todo momento ser amor. Tentar a todo custo e a todo momento compreender. Tentar a todo custo e a todo momento sorrir e abraçar. Entrei em um Centro em 2004. Em 2005 fui feito, era legal, bonito, tinha uma guia. Passei por todos - acreditem, todos! - os momentos de um ser humano cheio de defeitos como eu pode passar: vaidade, ego, arrogância. Mas sempre a Umbanda, com seu amor supremo, me mostrava que nada disso adiantava senão estávamos de bem conosco mesmo. Nada disso adiantava se não sabíamos cumprir nossa missão com muita humildade.Quis muito ser pai pequeno. Muito. Pai de Santo não, mas pai pequeno. Porque eu sempre achei que poderia contribuir com meu pai de santo sendo alguém para auxiliá-lo no desenvolvimento de médiuns. Pai e mães pequenos tem essa função. Este meu desejo me consumia. "Poxa, eu estou preparado" ou "Eu sei o que fazer" ou "Eu quero fazer". Tudo errado.Tudo errado mesmo. Durante um bom tempo coloquei minha cabeça no lugar e pensei sobre a Umbanda. Veja, não sobre o meu Terreiro, nem qualquer outro terreiro. Mas sobre a Umbanda. Sobra a beleza da minha religião. Sobre a força da minha religião. O papel que ela tem para melhorar o ser humano que a pratica .E percebi que a Umbanda não está trancada dentro de um terreiro, senão dentro dos nossos corações. Percebi que não sou insubstituível. Ninguém é. Percebi que eu ajudo a Umbanda ajudando a tê-la verdadeiramente dentro de mim. Não sou dono de mim mesmo dentro da Umbanda. Sou dono da verdade do amor. E por este caminho devo seguir. Não sou dono de nenhum guia. Não sou dono de nenhuma guia, seja ela grossa ou fina. Não sou dono dos meus desejos impuros. Não sou dono de nenhuma verdade. Não sou dono de nada. Sou dono do meu espírito e do meu corpo. E deles devo cuidar. Não posso me sujar com a vaidade, com o ego, com o erro, com a mentira, com o ódio, com a raiva, com o rancor, com a falsa humildade, com o estrelismo, com a falta de amor, com a falta de educação. Meus guias e Orixás, como é difícil! Como doi ter que exercitar o amor. Como doi ter que reconhecer tudo isso. Mas como é maravilhoso quando nos entregamos - de alma e coração - ao poder do amor. O amor que perdoa, o amor que reconhece, o amor que faz você seguir adiante, que faz com que você acredite que há uma luz no fim do túnel. Que nada está perdido. E esta é a minha Umbanda. Por isso, meus irmão, se desapeguem. Se desapeguem do que não é seu. Se desapeguem do sentimento de tristeza e raiva. Se desapeguem logo, porque esses sentimentos não podem ficar dentro da gente. Somos Umbandistas. Em qualquer  terreiro. Mas somos mais Umbandistas no terreiro que habita dentro dos nossos corações."

RF

 

Umbanda: Uma Construção Diária

"Uma das coisas mais incríveis na Umbanda é sua magia. Quantas vezes não nos pegamos boquiabertos com as coisas que acontecem numa gira? Um trabalho de meio, uma consulta com suas mandingas, o poder da vela e do ponteiro, o poder dos atabaques, a facilidade que as entidades tem em resolver questões colocadas e que nós mesmos não saberíamos como lidar. Estes são alguns exemplos. Há muitos, muitos outros que surgem a cada noite de gira. O que mais me deixa surpreso são os trabalhos realizados. A manipulação dessas energias pelos espíritos e, mais interessante, por meio de nós mesmos. Nós somos os condutores da magia da Umbanda. Não é impressionante? Escrevo este texto apenas para salientar que é muito importante estarmos atentos, ligados, conectados com tudo o que acontece em nossa volta. Como compreendemos pouco dessa magia é nossa obrigação como médium estar disponível para entender. Observar. Perguntar a si mesmo. Formular um pensamento. Perguntar ao seu dirigente espiritual. Perguntar ao seu dirigente material. Não podemos ficar nos "achismos". Devemos ir a fundo nas questões quenos são colocadas. Repito: importante prestarmos atenção em tudo o que acontece numa gira para que possamos escrever essa história. Escrever mesmo. Formular material para estudo, inclusive. A Umbanda está exatamente no período da educação, da formação.

 

 

A Importância de um Bom Cambone

Era médium novo, tinha acabado de completar 1 ano e meio de gira quando a Mãe de Santo me chamou e disse: -Voce vai me cambonear três giras!!! Pensei comigo mesmo: porque eu? Ela já tem ekedes que a camboneiam muitobem! Não desconfiava do que estava por vir. O trabalho na época a meu ver era simples: tinha que copiar os pontos riscados, ouvir tudo e ficar atento às consultas, e no final se tivesse alguma duvida perguntasse o que quisesse. Por timidez entrava mudo e saia calado. Até que na última das três que tinha que cambonear um Exú me olhou e disse: -Aprendeu tudo? Ainda tem duvida? Se tiver que pergunte agora porque você vaitrabalhar! Fiquei sem reação, me subiu pela espinha uma mistura de medo com insegurança equestionei: -Mas meu Pai, o senhor tem certeza? Tem muitos médiuns bons e mais experientes, porque logo eu? Primeiramente tive que ver ele rir da situação e depois me explicar: -Filho o tempo não importa e nem me interessa, tem médium que realmente tem muito mais tempo que você, mas não quer dizer que estejam preparados.Também não me achava preparado, mas o Seu Caveirinha mandou, não tinha o que questionar. Na gira de desenvolvimento seguinte veio o veredito final, a Mãe Camila falou os quatro que iam para o toco e eu era um dos escolhidos. Agora não tinha mais volta. A semana passou com um misto de ansiedade e insegurança que me tiraram algumas noites de sono. Lembro-me de ter perguntado a Mãe Lucília se poderia voltar para a corrente após o terceiro dia que a camboneei conforme o combinado e ela me disse que sim se quisesse. Fiquei com a pulga atrás da orelha com aresposta. Não era bem o que eu queria ouvir e seguia na duvida. Poderia sermais simples com um ´´sim´´ ou um ´´não´´. Na corrente adorava trabalhar no meio, apesar de ter camboneado algumas vezes ,sempre queria ´´me sentir útil´´ e ir pro meio. A Umbanda cedo ou tarde ensina, estava no toco precisando de um(a) cambone e assim como eu na minha época, muitos médiuns não queriam, queriam e diziam precisar trabalhar no meio, até que conheci a Ieri. Médium muito atenciosa e sempre prestativa com as entidades com as quais tenho orgulho de trabalhar. Sempre que acabavam as consultas, as entidades faziam questão de repassá-las a cambone num misto de aprendizado e recordação para que não houvesse dúvidas de nada que foi dito ou elemento que foi usado nos trabalhos. Como médium consciente adorava a conversa para aprender também, ter acerteza que as consultas foram boas e que os trabalhos tinham fundamento e estavam sendo bem feitos. Com o tempo a conexão cambone, médium e entidade foi melhorando e as consultas ficando cada vez melhores. Ela tinha segurança nas entidades e eu segurança nacambone. Sabíamos que tudo daria certo e teríamos mais uma gira de aprendizado dentro da caridade e amor ao próximo. Se passaram 7 meses e a médium Ieri sempre com uma boa vontade, disposição e HUMILDADE para cambonear foi crescendo, já estava com uma intuição de que iriaperdê-la mas não quis falar nada, quando mais duas semanas para frente fomos surpreendidos pelo Seu Folha Verde-Filha hoje você não vai cambonear você vai é trabalhar. Pediu o ponto da Cabocla Marajoara. Ela incorporou muito bem, foi apresentada à tabua e a pemba e foi pro toco. Na gira seguinte depois dos trabalhos o preto velho a chamou, com lágrimas nos olhos que não sei se dele ou se minha disse: - É fia, esta chegando a hora de suncê dar voos mais altos na Umbanda, muito obrigado por seu auxílio todo esse tempo e que nosso Pai Oxalá te ilumine e te abençoe nessa nova fase que suncê vai começa. Ela também se emocionou com as palavras do preto, agradeceu e mostrou a mesma insegurança e ansiedade que eu também demonstrei para o Seu Caveirinha. A única diferença é que enquanto eu pedi pra voltar pro meio, ela esperou pacientementee diferente de mim e de vários médiuns que não querem ou queriam cambonear epreferem atuar no meio porque acham que vão desenvolver mais rápido, ela fez o seu desenvolvimento sem perceber, ouvindo atentamente todas as consultas, todos os ensinamentos das entidades ao fim dos trabalhos e com a mais absoluta certeza, esta mais do que preparada para essa nova responsabilidade na Umbanda.-´´ Espero poder te cambonear um dia.´´Saravá Terreiro